segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

PARECE QUE FOI ONTEM....



PARECE QUE FOI ONTEM...
                                               O passado tem cheiro? A maioria das pessoas responderá de bate-pronto: não!  Porém, temos, sim, uma memória olfativa, mais apurada em uns do que em outros, pois o sentido do olfato (e do paladar) surge bem cedo na fase embrionária e desde o útero vamos formando um arquivo de aromas e sabores. Essa memória olfativa dispara as lembranças, em geral agradáveis, quando sentimos cheiros e sabores, quanto mais antigos, mais carregados de emoção, saudade, voltamos no tempo em fração de segundos e vemos na tela da mente as cenas...ah, as cenas!

                                               Ao som de “Poor people of Paris”, por Ray Connif, no início das sessões Zig-Zag domingueiras, duplas aos sábados, as “chiques” do domingo à noite, após a missa na Matriz, ou as sessões noturnas durante a semana, o Cine Madalena era a porta de entrada num mundo claro-escuro de imagens, sons, cheiros e sabores.                                               A bombonière era o templo das tentações, a Ida Nunes ou a Lia Garbellini Coraucci vendiam a felicidade dos cigarrinhos de chocolate, caixinha vermelha, com garotos simulando o ato de fumar, da Pan. Diga-se, de passagem, que o garotinho negro, fotografado em 1959 e  se chama Paulinho Pompéia...nunca fumou! Balas, balas e mais balas, nos “farvésti” (faroeste) como dizíamos ou nos desenhos, Gordo e o Magro, Tarzã, capa-e-espada... Soft coloridas, maior medo de engolir inteiras; paulistinhas (ainda existem), azedinhas, verde, amarela, vermelha; Déa, de cevada, de canela (um terror!), Juquinha (quando está chupando bala, não fala...), Toffe, Drops Dulcora (a delícia que o paladar adora), Chucola, balas boneco (sempre chamei de hominho), Jujuba (a azul era de anis, ardida),  Mentex, geladinha, de hortelã, da Garoto; a macaca das balas Chita, sucesso desde 1945, sabor abacaxi, os mini-chicletes Adams, coloridinhos, Ping-Pong e suas figurinhas e tatuagens, Ploc e Plets ou,  para os chocólatras, as inesquecíveis moedinhas (ainda são fabricadas), ou os de tubo que eu chamava “chocolate da vaquinha”, da Falchi, os clássicos Diamante Negro e Sonho de Valsa.

                                               Sempre dei “nomes” aos cheiros não classificados: o cinema cheirava “cortina”, um cheiro grosso, cor de vinho, pesadão, as poltronas cheiravam “madeira-plástico”; à saída, ao som de ‘March of the Toys”, por Leonard Slatkin Saint Louis Symphony Orchestra, os meninos batiam os pés e os namorados se ajeitavam como podiam...

                                               Do Cine Madalena para a praça outro mundo de sabores e cheiros: Bar do Papai, lanches maravilhosos, balcão de azulejos brancos;  Bar do Romeu (minha mãe Carmita dizia confeitaria Menezes), vendia um sorvete de massa inigualável,  Bar do Vinícius (Faggioni): guarda-chuvinha, chupetas, talvez do Patarata, suspiros com granulados coloridos, corações de doce-de-abóbora, dadinhos, maria-mole,  pirulito zorro, picolés de todos os sabores, o “chefe” era o de groselha;  segundo minha prima Ziza Ferreira, a caipirada vinha da roça para a procissão do Senhor-Morto e se lambuzava do tal picolé que deixava a língua “vermeia”...

                                               No giro da praça imperava o cheiro da pipoca e ao alcance estavam a pipoca doce, meio enjoativa, o arrozinho doce, uma pipoca mais dura, se dizia que era feita de “milho-de-galinha”,  vendida em saquinhos vermelhos e o algodão-doce. Nunca soube quem era o homem-do-algodão, ali tinha um cheirinho de álcool misturado com açúcar derretido e em fios, era um carrinho com “um tudo” para vender: bexigas coloridas, bolinhas de elástico, quando a gente abria, eram cheias de papel e serragem, apitos, bonequinhos, caixinhas de surpresa com anel de pedra falsa...

                                               Viu as “vitrinas”? Hora de chegar em “Ao Mercadinho” do Amadeo e Maria Tassinari, ver as revistas e mandar brasa numa vaca-preta, perfumada, cremosa, sorvete de ameixa com coca-cola e num “disco” redondinho, de queijo e presunto, tinha um leve cheiro/sabor de gás, um lanche que nunca mais consegui provar, curioso é que Dona Maria (Esperança Pavan Tassinari) dizia que não tinha segredo algum....será?

                                               Cheiro de gaveta, cheiro de barbeiro ou de cabeleireira, cheio de papelaria, cheiro de carro novo, cheiro do grupo Washington Luís (flor de acácia e de paineira), cheiro de professora (um perfume chamado Príncipe Negro),  cheiro de oficina, de posto e de consultório médico ou de dentista, cheiro de livro, cheiro de Natal, de caixa de uvas,  cheiro de chuva-na-praça (cedrinho molhado), cheiro de boate, cheiro de bebê-pós-banho,  cheiro de carnaval, cheio de martelinho (machadinha) e quebra-queixooooooo... a lista vai ao infinito!

                                               Tempos bons, tempos de memória saborosa e cheirosa que não voltam mais...epa, voltam sim, pois apenas “parece que foi ontem”...amanhã tem mais! Fonte: "O Jornal", Batatais-SP, 9 de janeiro de 2016.