quinta-feira, 21 de março de 2019

Eu vou pular a noite inteira...


- em memória de Zuleika Fantacini -
                                               Há muito nossa Batatais tem tradição carnavalesca, Jean de Frans (José Augusto Fernandes), memorialista notável, já referia, desde o século XIX, o entrudo, as batalhas de flores, o enterro dos ossos, as mascaradas, o corso e os bailes de salão.
                                               Rei Momo, primeiro e único, declara aberta a temporada do carnaval, em oposição ao tempo da Quaresma, tempo de “tudo pode” como despedida à chegada do “nada pode” e os súditos fiéis se entregam à folia.
                                               Minhas primeiras lembranças de carnaval são do começo dos anos 1960, nas matinês do Clube 14 de Março, domingo e terça-feira a meninada brincava e pulava a todo gás, as meninas podiam usar um pouco de maquilagem e “pintas” falsas, os meninos fantasiados, com máscaras de papelão, um pequeno cocar de índio ou apenas de camiseta e short;  saquinhos de confete e serpentina, martelinhos, buzinas, apitos, os fornecedores eram o Bazar Paulista (Tonico Tassinari), o Bazar Triunfo (Sebastião “da Pinta”), o armarinho de Dona Celina Arantes, o João dos Retalhos e outros; nos intervalos era uma luta de  quem juntava mais confete do chão ou conseguia algum rolinho de  serpentina pela metade, se faziam “sanfoninhas” ou se atava à cabeça, à maneira de índio ou de melindrosa, muitos enrolavam serpentina nos braços, quase múmias de papel.
                                               Alguns dias antes do carnaval a molecada já estava a postos com serpentinas para “cercar” os carros; de uma calçada para outra, as crianças espichavam a serpentina e deixavam-na ir embora à medida que os carros passavam.  Outra brincadeira era a “guerra” dos esguichos, um tipo de bisnaga plástica, variável em tamanho, que se enchia de água e se atirava aos jatos entre si ou nos carros;  quantos e quantos motoristas chegavam a parar no meio da rua e dar uns berros e correr atrás de nós...cada bronca!
                                               Jânio Quadros proibiu o lança-perfume em 1961, mas de nada adiantou...muitos anos depois continuava firme, nas matinês e nos bailes noturnos sempre  havia alguém espirrando o perfume geladinho e até aspirando pela boca ou miturado com bebida, meio às escondidas,  parece que importavam da Argentina, fabricada pela Rhodia, nome comercial de Rodouro em latas douradas,  depois de vazias as tais latas  viravam pinos de boliche, brincávamos em casa do João Junqueira e dona Vevinha.  Rolava uma outra versão do lança-perfume, devia ser de uso medicinal, muito mais  frágil, quebrava só de olhar,  em ampolas de vidro fininho, puro éter e vai saber o quê mais...
                                               As matinês eram tão concorridas que muitos “marmanjos” e moças feitas tomavam crianças pequenas “emprestadas” só para participar da folia da tarde e paquerar mais um pouco...Nos desfiles de rua as escolas de samba fizeram história a partir da praça da Matriz, depois na Nove de Julho, dali para a avenida 14 de Março, depois Moacir de Morais e finalmente o sambódromo Carlos Henrique: Stela, Princesa Isabel, Castelo, Acadêmicos do Samba, Febem, Riachuelo, Unidos do Morro, Liberdade, Império;  dos blocos tenho especial lembrança do Bloco do Mé (1980), dos Duros, Regasso, Xaquaiado, Mocidade Alegre e o meu do coração “Sovaco de Cobra” (1984-86), ao tempo da Nove de Julho tínhamos um “esquenta” em casa do Dr. Élcio Ricco e Dona Lili, a linha de partida era ali pertinho, um salve saudoso para os amigos “sovaquenses”  Mário Marcos Abeid, Cidinha e Denize Bouttelet, Magda Stella,  Paulo Amoroso, professor Ferrão, Aurélio Pena, professor Siena, Vereador Morais, Soninha e Renato Tomazella, Adriana Ricco, Chico Grilo, Marta Jorge, Kátia Ravagnani, Heloísa Rizzato, Zuca Corsini, Zuleika Fantacini  e  Sylvio Maestrelli (Cascatinha) compositor oficial do bloco, tema Taí Carmen Miranda Imortal,  campeão em 1986 (foto).
                                               Um baile de carnaval, entre confete e serpentina, está na lembrança de muitos amores feitos e desfeitos, dos amores de final feliz homenageio os queridos amigos Agamenon Geraldo Caldo e Maria Francisca, em Viradouro, 1970, se conheceram, se apaixonaram num sábado de carnaval; já a amiga  Rosângela Sibin e José Carlos Oliveira de Freitas ficaram noivos “de aliança” por 1967/68 em pleno salão da Operária!    
                                             E, claro, curtindo todos os carnavais! Muitos hão de se lembrar: depois de muito pular e muito brincar e  tomar umas e outras:  o que poderia haver  de melhor do que “aquela” seleção de sambas e marchas mais lentas, “aquela” para  dançar abraçadinho, rosto colado,  do meio do baile para o fim? ansiedade, beijos roubados, paixões fulminantes, uma vontade que a noite jamais acabasse...”Na mesma máscara negra, que esconde o teu rosto, eu quero matar a saudade....vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval...”   
                                              Jovens adolescentes, a entrada nos bailes noturnos tinha obrigatoriedade da companhia de um responsável e maior, além de uma bendita autorização do delegado de polícia, com foto, assinatura dos pais; lá íamos nós, Carolina Pippa, eu, uma turminha animada escoltados pela avó D. Carolina Pippa,  a moçada  “se jogava” no salão do “14 de Março”, no intervalo corria para a Operária, parava na pracinha da Prefeitura e  no Zé Bonitinho  para uma drinque ou porradinha (pinga e soda limonada), o sempre lembrado professor Ronaldo Siena, Rei Momo durante anos e  dono do bordão “..na ponta da passarela” me contava porres homéricos, casos e anedotas  do  carnaval de Batatais
                                               Sempre achei graça em “Me dá um dinheiro aí”, eterno sucesso de 1959 na voz de Moacir Franco, só recentemente soube que é uma troça em cima de um mendigo famoso no Rio de Janeiro que batia a mão na barriga do “freguês” e pedia o dinheiro...naquele distante ano, a expressão e o gesto  viraram  “febre” entre os cariocas. E dá-lhe marchinhas e sambas: Abre Alas, Zé Pereira, Doce de Côco, Marcha do Pam Pam, Balancê, Fio Maravilha, Pirata da Perna de Pau, Touradas de Madri, Bandeira Branca, Festa Profana, Explode Coração, Maria Sapatão, Marcha da Cueca, Teu Cabelo Não Nega, Taí, Chiquita Bacana, Mamãe eu quero, Pastorinhas, a lista é inesgotável....                                                         
                                               Pra tudo se acabar na quarta-feira.....