sábado, 30 de junho de 2012

O primeiro Código de Posturas da “Villa de Batataes”
Sérgio Corrêa Amaro *
                        Corria o ano de 1839. Elevada à condição de vila por lei provincial de 14 de março, a primeira câmara de vereadores, instalada em 16 de setembro, tratou logo de pôr mãos à obra e elaborou o primeiro código de posturas, materializado em sessão de 20 de novembro. O texto foi integralmente aceito pela Assembleia Geral Provincial, o despacho manuscrito de aprovação das posturas, traz “não entraram em discussão nem foram divididas pela Casa” (São Paulo, Tipografia do Governo, 1844, arrendada por Silva Sobral).
                        É muito provável que o nosso primeiro código tenha seguido algum tipo de modelo ou foi copiado com pequenas alterações a partir de outros códigos paulistas, a exemplo de Franca, que já possuía o próprio desde 1833. O certo é que cláusulas do código batataense são encontradas literalmente em outros tantos códigos, anteriores e posteriores, o que demonstra a prática mais ou menos comum da reprodução pura e simples de normas.
                        O município no Brasil tem tradição portuguesa e, dadas as condições histórico-geográficas desde a Colônia, sempre se pautou pela luta por ampla autonomia político-administrativa, acumulando, inclusive, poderes da esfera do Judiciário. Distância da Metrópole, dificuldade de comunicação com os centros do poder, urgência e necessidade de resolver os problemas locais fizeram com que os municípios assumissem as rédeas da governabilidade, mesclando atribuições executivas, legislativas e judiciárias.
                        No momento tormentoso do processo de Independência, os municípios participaram ativamente no que lhes foi possível e apoiando a causa de D. Pedro, primeiro imperador.
                        Não tardou para que a Constituinte (1823) e depois a primeira Constituição brasileira (outorgada em1824) buscassem a centralização do poder a todo custo, com relativa autonomia para o legislativo nas províncias, porém tolhendo violentamente  as câmaras de vereadores. O golpe de morte na autonomia dos municípios, porém, foi a Lei do Regimento das Câmaras Municipais, de 1º. de outubro de 1828.
                        O artigo 24 da referida lei trazia explicitamente: “As Câmaras são corporações meramente administrativas, e não exercerão jurisdição alguma contenciosa”.
                        Sem verbas dos governos ou rendas próprias, aos vereadores restava estabelecer posturas administrativas, ditas “policiais”, disciplinares para o meio urbano, a cidade em oposição ao meio rural, as elites contra os “desclassificados”, os pobres livres e os escravos. Medidas sanitárias foram sendo estabelecidas, o “corpo” da cidade assimilado ao corpo humano, o qual deveria ser “limpo”, sem vícios ou doenças, era o império da “ordem” em nome de um decantado “progresso”.
                        A citada lei de 1828 instituiu a figura do Juiz de Paz, em substituição ao juiz ordinário e que seria eleito juntamente com os vereadores, de quatro em quatro anos. A esses juízes de paz competia fiscalizar a correta aplicação das posturas e conciliar e julgar causas de pequeno valor monetário ou questões meramente locais, um esboço do que hoje conhecemos por Juizado Especial Cível (antigo Pequenas Causas).
                        O temor de rebeliões ou ataques de escravos fazia com que várias disposições do código reduzissem ao máximo o espaço do negro na sociedade branca, proibições que se estendiam ao ir e vir, à permanência em lojas e mercados, ao jogo e a qualquer tipo de ajuntamento. Veja-se, curiosamente, que o artigo 37 proibia “a dança denominada batuque, tanto de dia como de noite nas povoações,  com algazarras que incomode (sic)  os vizinhos e assim mais o toque, o rufo de caixa de guerra; tais ajuntamentos serão dissolvidos e os contraventores a esta postura sofrerão a pena de 4 dias de prisão”.

Em tempo: retificamos informação do artigo anterior. O Padre Bento José Pereira, em verdade, permutou com o Padre Antônio José de Carvalho, da freguesia do Juquerí, atual Mairiporã; a fonte citada está correta.
Publicado em "A Notícia", 29.06.2012

terça-feira, 5 de junho de 2012

BATATAIS, O PADRE E  O BISPO
Sérgio Corrêa Amaro *
                        A História é um nunca acabar de perguntas sem respostas, de respostas à procura de confirmação e de “verdades” geralmente aceitas passíveis de revisão.
                        A transferência da freguesia do Bom Jesus da Cana Verde dos Batatais, como é sabido, se deu ao longo de um processo eclesiástico acionado pelo Padre Bento José Pereira, pároco efetivado pouco tempo após o falecimento do Padre Manuel Pompeu de Arruda, em 19 de setembro de 1820.
                        A questão se arrastou junto ao Bispado de São Paulo de fevereiro de 1821, data da provisão para ereção de uma nova matriz, portanto sede da freguesia, passando pela doação do terreno, em agosto de 1822, até o início das obras da nova capela, em 1823.
                        O conflito se dera pela determinação da mudança da freguesia, de um lado o novo pároco “mudancista” P. Bento José Pereira e moradores e do lado oposto Manoel Bernardes do Nascimento, o alferes Antônio José Dias, ambos prósperos fazendeiros, acolitados por bom número de moradores do povoado.
                        O Bispo Dom Mateus de Abreu Pereira (1742-1824) manteve a disposição  de 1821 e a sede da freguesia foi efetivamente  transferida para o Campo Lindo das Araras, pondo fim à pendenga. O padre Bento acabou levando a melhor, porém a alegria durou pouco...
                        TAMBELLINI (A freguezia dos Batataes, São Paulo; Carthago, 2000) indaga onde teria ido parar o padre Bento José Pereira, vencedor na refrega da transferência da freguesia. Pois bem, novas pesquisas indicam que teria permutado de paróquia com José da Cunha Mello, vigário da igreja de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, de Ouro Preto, Minas Gerais, tudo conforme requerimento à Mesa de Consciência e Ordens publicado no Diário Fluminense número 18, de 21 de julho de 1824.* vide rodapé
                        Não deixa de causar certo espanto o fato de que Dom Mateus, Bispo de São Paulo e que apoiou o nosso Padre Bento José Pereira, tenha morrido pouco antes, em maio de 1824. Seria o falecimento do bispo a causa do pedido de transferência ou permuta do vigário de Batatais, agora sem suporte político de um superior hierárquico?
                        No calor da disputa pela transferência da sede da freguesia, e aqui acompanhamos o historiador Francisco José de Andrade no estudo das capelas e da “governamentalidade” em Minas Gerais para a segunda metade do século XVIII (Vária História, Belo Horizonte, vol. 23, n° 37: p. 151-166, Jan/Jun 2007), vislumbra-se uma queda de braço entre um potentado local - Manoel Bernardes do Nascimento, a tentar garantir por meios e modos a representação material e simbólica do poder conferida pela presença de uma capela ao seu alcance -  e  um  padre recém-empossado, disposto ao confronto desde o início.
                        A cronologia dos fatos parece falar por si mesma: morre o Padre Manoel Pompeu de Arruda, em setembro de 1820, seguem no comando da paróquia três outros padres no curto prazo de um ano; a provisão para ereção da nova Matriz é de 25 de setembro de 1821; Germano Moreira e Ana Luísa fazem doação de terras em agosto de 1822; a petição de autorização da mudança deve ter sido escrita entre esta data e começos de 1823, pois o requerimento e abaixo-assinado contrários à mudança, encabeçados por Manoel Bernardes do Nascimento e Antônio José Dias são de fevereiro de 1823; a resposta do Padre Bento não se fez esperar, foi meticulosamente detalhada em março de 1823, em linguagem sem meias-palavras, desmontando peça por peça as razões contrárias.
                        A construção da nova Igreja foi, pois, iniciada em 1823 ou mesmo logo em seguida à doação de Germano Moreira. O ato solene de benzer a nova Igreja para o culto se deu por força de despacho de 19 de maio de 1838.
                        Em cenário mais amplo no tempo e no espaço se destaca a figura de Dom Mateus de Abreu Pereira, português de nascimento, 4º. Bispo de São Paulo, participou ativamente na vida política brasileira, apoiou o movimento pela permanência de D. Pedro no Brasil e o processo de Independência, foi governante interino da capitania de São Paulo em quatro ocasiões, acumulando as funções de líder civil e religioso. 
                         Nesse ponto talvez tenha passado despercebido aos olhos de muitos o fato de que a criação da freguesia de Batatais (1815), a determinação exata da jurisdição eclesiástica, em disputa com a de Casa Branca (1818), a mudança da Matriz (1821-23) tiveram todos a participação ativa de Dom Mateus, bispo a partir de 1797 até sua morte em 1824 e governador interino, em triunvirato, exatamente nas épocas que tramitavam os processos citados.
                        Se permanece em aberto a questão dos reais interesses de Manoel Bernardes do Nascimento - nem tanto religiosos como se supõe -  também merece mais pesquisas a atuação de Dom Mateus de Abreu Pereira em nossa cidade e região.
Publicado em a Notícia, 15.06.2012

* retifico a informação: O Padre Bento José Pereira realmente permutou com o Padre Antônio José de Carvalho, da Freguesia de N. Sra. do Desterro  de Juqueri, atual Mairiporã, lá permanecendo até outubro de 1828. A fonte citada está correta.