segunda-feira, 21 de maio de 2012

NOSSAS RAÍZES MINEIRAS - Aiuruoca

Sérgio Corrêa Amaro *
                        A segunda leva de povoamento de Batatais se deu realmente com a chegada de habitantes das Minas Gerais, homens em busca de terras para plantio de roças e campos de pastagens ou, muito frequentemente também, famílias inteiras que se deslocaram de vários pontos para a região conhecida por Sertão do Rio Pardo.
                        Seja pela decadência do ouro, que mal explica a migração, seja pela necessidade de buscar mais terras para expansão das atividades rurais de produção para o comércio regional, o fato é do final do século XVIII para as décadas iniciais do século seguinte os “entrantes” atravessaram as margens do Sapucaí-Mirim e do Pardo, dando conformação a uma extensa faixa na divisa dos atuais Estados de São Paulo e Minas Gerais, pousos, freguesias e vilas que viriam a ser, no futuro, Franca, Batatais, Ituverava, Igarapava, Patrocínio Paulista, dentre outras.
                        Num primeiro momento, os mineiros se dirigiam ao Sertão da Farinha Podre, atual região do Triângulo Mineiro, pertencente à província de Goiás no século XVII, só muito mais tarde reconhecido como parte integrante de Minas Gerais.
                        O momento seguinte – nos finais dos anos 1700 – é o do início da migração em direção ao Sertão do Rio Pardo, terras em quantidade e qualidade, a roda econômica tomava novo impulso: concessão de sesmarias, elevação de freguesias, posse pura e simples de áreas consideradas devolutas e posterior adequação às normais jurídicas, compra e venda, plantio de milho e algodão, criação de gado bovino e cavalar, produção de toucinho, queijos e tecidos rústicos.
                        O casal Germano Moreira e Ana Luísa, doadores em 1822 do patrimônio do Bom Jesus da Cana Verde, devem ter vindo para Batatais em algum momento entre 1801 - ano em que se casaram em Aiuruoca - e  1812, pois naquele ano foram recenseados já estabelecidos, com terras nas fazendas São Pedro e Santana.
                        Germano Moreira era natural de Barbacena, já comentada em um de nossos artigos anteriores e Ana Luísa, filha de Luís Fernandes Chaves e Maria da Conceição,  era nascida em Aiuruoca, pequena cidade do Sul de Minas, conhecida como “paraíso dos ecoturistas” entre outros atributos igualmente apreciáveis.
                 De Aiuruoca vieram outras tantas famílias para o segundo povoamento de Batatais, a exemplo da família Arantes, tronco de Altino Arantes, um dos filhos mais ilustres de nossa terra.
                        Aiuruoca é aportuguesamento de topônimo tupi, junção de ajuru (papagaio) e oca (casa), traduzido para “casa de papagaio”, “papagaio criado na pedra” ou “pedra do papagaio” (CARVALHO, 2011); outro autor trata como “terra das araras” (SILVA, 1966, citado por Carvalho, 2011). Não é estranha coincidência o fato de a terra natal de Ana Luísa ser conhecida como “terra das araras” e as terras doadas em Batatais serem no “Campo das Araras”? Talvez tenhamos aí um interessante campo de pesquisa toponímica.
                        Aiuruoca teria sido descoberta por volta de 1705/1706 pelo bandeirante paulista João de Siqueira Afonso em busca de ouro nas cabeceiras do rio Grande, foi elevada a vila em 1834, com sede e mais paróquias de Turvo, adquirindo ou perdendo Bocaina, Livramento, Guapiara, Serranos, Bom Jardim, Alagoa e São Vicente Ferrer ao longo do século XIX, chegou a município e cidade em 1868(PARANHOS, 2005).
                        Aiuruoca tem população de pouco mais de 6.000 habitantes, área de 651 km2, está situada a 989 metros acima do nível do mar, de relevo bastante movimentado, o ponto mais alto é o Pico do Papagaio, com 2.293 m, o turismo é forte nas trilhas, cachoeiras, esportes radicais, matriz de N. Senhora da Conceição (1726), festas religiosas, esoterismo, pousadas e hotéis que oferecem tranquilidade, conforto e a tradicional comida mineira e o “Carnaval fora de época”, realizado em praça pública uma semana antes do Carnaval oficial, evento que atrai milhares de turistas, mais um ponto em comum com  Batatais.
                        Pequena joia da Natureza nas Minas Gerais, Aiuruoca merece uma visita; a ela os batataenses podem se ligar por mais de um motivo: histórico, ecoturístico, esotérico e - por que não? -  curtir o carnaval de lá primeiro e depois aqui.
publicado em “A Notícia”, 18.05.2012   

sábado, 12 de maio de 2012

MÃES DO LADO DE FORA DO PARAÍSO

Sérgio Corrêa Amaro *
                        A figura da mãe impõe amor filial, profundo respeito e até veneração. Ao longo da História, porém, encontramos alguns casos de mulheres que não seguiram exatamente o modelo da abnegação e do desprendimento dos bens materiais e do poder.
                        Se nos versos do esquecido Coelho Neto (1864-1934), “ser mãe é andar chorando num sorriso, ser mãe é ter um mundo e não ter nada, ser mãe é padecer num paraíso” tão exaustivamente repetidos que acabaram virando clichê -  talvez um tanto piegas para os dias que correm -  do outro lado do paraíso houve mães que se mostraram totalmente avessas a qualquer sentimento maternal, ora se aliando a um filho em luta contra outro, ora guerreando abertamente pelo poder político ou semeando a discórdia na família.
                        Na formação de Portugal, em plena Idade Média, a condessa-viúva e rainha Dona Teresa de Leão (1080 – 1130), aliada ao amante galego, o Conde Fernão Peres de Trava, pretendeu tomar para si o domínio do espaço galaico-português, em detrimento do filho e herdeiro, o futuro rei Afonso Henriques. O jovem príncipe, fundador do reino de Portugal, arregimentou tropas de nobres favoráveis à sua causa e derrotou ambos na Batalha de São Mamede, em 1128. Em fuga com o Conde Fernão Peres, Teresa de Leão veio a falecer pouco mais tarde. Lenda portuguesa muita antiga dizia que o rei Afonso I havia batido literalmente em sua mãe Teresa, o que nunca passou de mito; ao contrário, a rainha derrotada chegou em segurança à Galiza e anos depois o rei voltou às boas com o “padrasto” galego.
                        Intrigas na Corte, devassidão, ambição, cobiça pelo poder marcaram a trajetória da tristemente famosa Carlota Joaquina, espanhola de nascimento, unida por casamento político a Dom João VI, regente e depois Rei de Portugal, Brasil e Algarve.
                        Bem antes da vinda da Família Real ao Brasil em 1807, as relações conjugais de D. João e Carlota já eram péssimas e viviam separados, ela confinada no Palácio de Queluz, ele governando no Palácio de Mafra. Momentaneamente reconciliados por ocasião das invasões napoleônicas e da instalação da Corte no Rio de Janeiro (1808), Carlota Joaquina voltaria a tramar contra o marido e contra a Constituição portuguesa, no retorno a Portugal em 1821 e anos seguintes, insuflando as revoltas conhecidas por Vilafranca e Abrilada, em ambas o partido de Carlota Joaquina foi derrotado e a rainha rebelde afastada dos círculos do poder.
                        Ainda uma vez Carlota Joaquina pretendeu o restabelecimento da monarquia absoluta, quando da subida ao trono de Portugal de seu filho preferido, o ultracatólico e conservador Dom Miguel, irmão mais novo do imperador do Brasil, D. Pedro I. Na luta que se estabeleceu entre irmãos, D. Miguel e D. Pedro, Carlota Joaquina apostou todas as fichas no preferido e perdeu novamente. Ao que consta, o próprio D. Miguel foi aos poucos se desvencilhando de uma mãe incômoda, morta triste, amargurada e longe do poder, em 1830, alguns falam em envenenamento provocado ou suicídio.
                        A lista das mães “desnaturadas” chega facilmente à casa das dezenas, ambiciosas algumas, como Catarina de Médici (1519-1589), envolvida nos bárbaros episódios da Noite de São Bartolomeu - feroz perseguição e morte de milhares de protestantes pelos católicos – calculista, implacável, tramou e conseguiu a morte de Margarida de Navarra e talvez até de um ou alguns dos próprios filhos, mortos por envenenamento, arte da qual era especialista. A lista prossegue com Maria de Médici (1575-1642), outra italiana e igualmente rainha-consorte da França que tentou, sem conseguir, afastar do trono o filho, o rei Luís XIII ; na Antiguidade mitológica da Grécia encontramos Medéia, a infeliz esposa traída de Jasão  e que mata os próprios filhos, não por fúria, mas para fazer sofrer o marido infiel; nos textos dos Evangelhos lemos as referências principais sobre a “dupla infalível” composta por Herodíade e Salomé, mãe e filha, em conluio criminoso que terminou com a decapitação de João Batista.
                        Curiosidades históricas à parte, se estas mães ficaram do lado de fora do Paraíso, com toda a certeza todas as demais, heroicas e devotadas, célebres ou anônimas, têm cadeira reservada no grande espetáculo da condição humana!
publicado em A Notícia, 12/05/2012

domingo, 6 de maio de 2012

Você sabe com quem está falando?

Sérgio Corrêa Amaro *
                        A pergunta, quase sempre em tom esnobe ou orgulhoso, pode ter várias respostas. Não é o caso, aqui, de tratarmos o tema como estudado  pelo renomado  antropólogo Roberto DaMatta em suas análises das regras e costumes brasileiros.
                        A questão é se sabemos (ou não) realmente com quem estamos falando no que refere a apelidos, nomes de família, alcunhas ou patronímicos.
                        Patronímicos são sobrenomes derivados do nome do pai; apelido é o mesmo que “nome de família”, em Portugal em particular e para a genealogia como termo técnico. A alcunha designa uma característica positiva ou negativa de uma pessoa, um lugar ou até de um objeto. A cidade de Cláudio, em Minas Gerais, é conhecida como cidade das alcunhas, pois a maioria de seus habitantes tem um apelido. Curiosamente, Cláudio  - quer dizer manco ou coxo, de claudicante, claudicar, já a cidade deriva do nome de um escravo -  tornou-se vila em 1911, independente de Oliveira, município mineiro e nome de família adiante citado.
                        O assunto dos sobrenomes é extenso, vamos abordá-lo em linhas gerais, dada a limitação de espaço e para que sirva, ao menos, como indicativo nas pesquisas pessoais de genealogia e história familiar.
                        O célebre sobrenome SILVA, o mais comum no Brasil e em Portugal, tem sua origem em Dom Guterre Alderete da Silva, que adotou o apelido para a linhagem. Esse Guterre Alderete nasceu por volta de 1040, filho de Pelayo Gueterres, senhor da Honra e da Torre de Silva, em Valença, Portugal. Silva é um sobrenome toponímico, isto é, derivado do nome de um lugar, no caso, silva provém de floresta ou bosque, em latim (veja silvícola e selvagem). Várias localidades em Portugal e Espanha se chamam Silva. Esses primeiros do nome Silva eram nobres galegos que passaram para Portugal no séquito do conde D. Henrique (1066-1112), antes mesmo do nascimento da nacionalidade portuguesa.
                        A popularidade do apelido Silva vem desde o século XVII, em Portugal e, por consequência, no Brasil. Há registro de um Pedro da Silva, alfaiate estabelecido em São Paulo em 1612.
                         Portugueses degredados querendo começar uma vida nova no Brasil adotavam o sobrenome Silva proporcionado pelo relativo anonimato e também milhares de escravos africanos foram batizados por padres católicos que lhes davam um nome, geralmente de seu dono, acrescido de um sobrenome, o mais comum era mesmo o Silva.
                        O segundo sobrenome mais comum no Brasil é, sem dúvida, SANTOS, de origem igualmente portuguesa, era dado, de início, aos nascidos em 1º. de novembro, dia de Todos os Santos ou às crianças que nasciam ou eram abandonadas no Hospital de Todos os Santos, em Lisboa, construído entre 1492 e 1504, também conhecido por Hospital Real, Grande ou dos Pobres. Este hospital desapareceu no terremoto de 1755.
                        O sobrenome português OLIVEIRA também é de origem geográfica, do lugar em que se plantavam muitas oliveiras, as árvores das azeitonas (oliva), antigas e nobres famílias ibéricas ostentavam o apelido; o primeiro a adotá-lo como nome de família foi Pedro de Oliveira, senhor do Morgado de Oliveira, pai de Martinho Pires de Oliveira, arcebispo de Braga em 1306.
                        Da mais antiga vila de Portugal, Ponte de Lima, distrito de Viana do Castelo,  provém o nome de família LIMA, pelo rio do mesmo nome, que nasce na Galiza, Espanha,  com o nome de Limia. O primeiro do nome foi D. João Fernandes de Lima (1170-1245), chamado “O Bom”, natural daquela vila. Lima, no latim,  quer dizer paliçada ou cerca, servia para designar limites ou fronteiras, se for proveniente do celta significa “esquecimento”.
                        Até onde vimos, não há por que considerar um sobrenome “comum” ou “popular” como sem origem ou de origem desconhecida ou “menos nobre” que esse ou aquele, as informações da História aí estão a confirmar, apontando interessantes caminhos de investigação.
NOSSAS RAÍZES MINEIRAS – Barbacena
Sérgio Corrêa Amaro *
                        Em artigo anterior tratamos, em linhas bastante gerais, das questões de divisa entre São Paulo e Minas Gerais, destacando o povoamento resultante da descoberta do ouro e, mais tarde, da entrada de “mineiros” no território delimitado pelos rios Pardo e Sapucaí, a partir do Sul de Minas para o Sertão do Rio Pardo, parte do atual Nordeste de São Paulo, onde se situa Batatais.
                         Os “Maços de População de São Paulo” foram recenseamentos feitos entre 1765 e 1850 e abrangem a totalidade da população da Capitania e depois Província de São Paulo, o foco do trabalho de elaborar "mapas” nominais de livres e escravos serviria, de início, para a contagem de homens para composição de um provável exército contra os espanhóis acantonados na região do Rio da Prata, porém, mais tarde, serviram para implementação de políticas da Coroa Portuguesa quanto ao povoamento, agricultura e comércio.
                         Um dos quesitos das listas de população era a “naturalidade”; nos censos em que se encontram dados referentes a Batatais, a partir de 1812, num apenso do levantamento referente a Nossa Senhora da Conceição (atual Franca) e com mais nitidez nos censos de 1814 em diante, muitos habitantes, talvez a maioria, eram descritos como oriundos “das Gerais”.
                          Como se sabe, Germano Alves Moreira e sua mulher Ana Luísa doaram as terras para construção da atual Igreja Matriz e todo o entorno, lugar denominado “Cabeceira das Araras”, composto de campos e restingas (Livro de Tombo número 1, Igreja do Bom Jesus da Cana Verde de Batatais).
                          Germano Moreira era possuidor de sesmaria de “légua e meia” de frente e de fundos, tudo conforme carta levada a registro em 9 de novembro de 1814 (Tambellini, 2000), com fundamento de possuir fazenda, gado e escravaria, o que nos leva para uma data provável de chegada do doador e família a esta região nos primeiros anos do século XIX, considerando-se  que naquele censo de 1812 Germano e Ana Luísa foram recenseados, com filhos, gado e plantações. A posse mansa e pacífica de terras, o cultivo e a criação eram condições para justificar a concessão de sesmarias, tudo isso demanda certo tempo entre a chegada, o estabelecimento e a produção agropecuária para sustento da família e pequeno comércio local até o pedido para o Governo da Capitania, na época encabeçado pelo bispo Dom Mateus de Abreu Pereira.
                        De onde provinham esses “mineiros”, povoadores de Batatais na segunda hora?
                        No caso de Germano Moreira e Ana Luísa, provinham de Barbacena e Aiuruoca, respectivamente.
                        A atual Barbacena teve por berço a Fazenda Borda do Campo, terra conquistada aos índios purís, propriedade, ainda no século XVII, dos bandeirantes Garcia Rodrigues Pais e seu cunhado Domingos Rodrigues da Fonseca Leme. Natural de Borda do Campo, onde nasceu em outubro de 1778, Germano Moreira deve ter migrado para Aiuruoca ainda menino, na companhia dos pais Hipólito Moreira dos Santos e Maria Vicência Alves de Jesus e mais um ou mais irmãos.
                         Não sabemos exatamente quais os motivos que levaram a família dos pais de Germano a se deslocar de Barbacena para Aiuruoca ainda em fins do século XVIII. É certo que já estavam estabelecidos em Aiuruoca pelo menos em 1792, que é o ano de nascimento de José Alves Moreira, um dos irmãos mais novos de Germano. 
                        Barbacena, também conhecida por “Cidade das Rosas”, rica e orgulhosa dos seus quase 130 mil habitantes,  teve história movimentada, foi berço de cinco inconfidentes: Domingos Vidal Barbosa Lage, Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Padre José Lopes de Oliveira, Padre Manuel Rodrigues da Costa e  José Aires Gomes; em razão da Inconfidência Mineira, o brasão e as armas de Barbacena ostentam a figura de um braço estendido, em memória de um dos braços de Tiradentes que foi exposto no adro da Igreja e ali sepultado.
                          A mesma Barbacena tomou a defesa de D. Pedro I no episódio do “Fico”, em janeiro de 1822, prometeu tropas e armas, se fosse necessário, por isso recebeu o título imperial de “muito nobre e leal vila”. A cidade ainda teria participação efetiva na Revolução Liberal de 1842, na Guerra do Paraguai e nas Revoluções de 1930 e de 1932.
                         Nas muitas voltas que a História dá, curiosamente Barbacena, a antiga Borda do Campo, passou por um processo de mudança de sede da freguesia, criada em 1725, provisoriamente na antiga capela até 1730, depois na “Igreja Nova” e atual matriz de Nossa Senhora da Piedade, construida a partir de 1743, entregue ao culto em 1748 e concluída em 1764. Em torno da “Igreja Nova” ergueu-se o Arraial de Nossa Senhora da Piedade, depois vila (1791) e cidade (1840).
                        Se lá em Barbacena como cá em Batatais o processo de mudança da sede freguesia foi tumultuado e com queixas ao Bispo e ao Rei, não se sabe, o certo é que foi Germano Moreira que ajudou a apaziguar os ânimos batataenses com a doação de terras, justamente...um filho de Barbacena!  Coincidência ou ironia da História?
publicado em A Notícia, 04/05/2012

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A vingança imperial de Josefina
Sérgio Corrêa Amaro *
                        Se quase todo mundo tem “esqueletos no armário”, como diz a expressão inglesa, nas famílias reais não poderia ser diferente e pelas vias da consanguinidade - pelo amor ou pela política - algumas situações ao longo da História chegaram a ser cômicas se não fossem trágicas.
                        O sonho imperial de Napoleão Bonaparte (1769-1821) tinha um “ligeiro” obstáculo: a falta de um herdeiro do sexo masculino. Apaixonado pela bela viúva Josefina de Beauharnais, nascida Marie-Josèphe-Rose de Tascher de La Pagerie (ilha da Martinica, 1763 – Malmaison, França-1814), Napoleão adotou como filhos os dois enteados, Eugênio e Hortência, nascidos do primeiro casamento de Josefina. A eles voltaremos mais adiante.
                        Napoleão sempre acreditou que fosse estéril, impossibilitado de gerar o tão desejado filho-herdeiro,  até que nasceu Léon, de uma jovem amante, Eléonore Denuelle. Enfurecido pelas muitas traições da esposa  enquanto estava em campanhas militares e com o pretexto de fazer aliança com a Áustria, Napoleão exige o divórcio de Josefina e se casa com Maria Luísa, princesa austríaca, mãe de seu único filho legítimo, Napoleão II, sempre fraco e doente,  falecido aos 25 anos, sem descendência.
                        A esta altura, quem diria, por exemplo, que Napoleão Bonaparte, general vitorioso e imperador dos franceses, fosse cunhado do nosso D. Pedro I?
                        Pois eram, de fato e de Direito.  A primeira esposa de D. Pedro, a imperatriz Leopoldina, era irmã mais nova de Maria Luísa, a segunda esposa de Napoleão Bonaparte.
                        Algum tempo antes do cunhadio, Napoleão havia invadido a Espanha e Portugal, o que provocou a transferência da família real portuguesa para o Brasil e, na sequência, o início do processo de independência nacional.
                        Porém, as relações de parentesco de D. Pedro e Napoleão não parariam por aí. Viúvo, o jovem imperador português procurou muito pela Europa uma princesa que fosse “de bom nascimento, bela, culta e virtuosa”. Com as sucessivas recusas das oito primeiras candidatas, o nível de exigência baixou um pouco e, afinal, o Marquês de Barbacena e o Visconde de Pedra Branca contrataram o casamento do imperador com Amélia de Leuchtenberg (1812-1876) e quem era ela? Ninguém mais que a quarta filha do príncipe Eugênio e, por isso, neta de Josefina, a imperatriz repudiada por Napoleão!
                        As coisas se complicariam ainda um pouco mais...o irmão de Dona Amélia, príncipe Augusto de Beauharnais, igualmente filho do príncipe Eugênio e neto de Josefina, foi casado com Dona Maria II, filha de D. Pedro I e rainha de Portugal. O casamento durou pouquíssimo, o jovem príncipe consorte morreria de difteria dois meses após o casamento e sem descendência. Nesse meio tempo, D. Pedro foi cunhado e sogro de Augusto, o irmão de sua esposa.
                        Voltemos à outra filha da imperatriz Josefina, Hortência, que embora fosse talentosa, teve vida atribulada na corte do padrasto Napoleão Bonaparte que a casou com o próprio irmão Luís Bonaparte, rei da Holanda. Mais um parentesco complicado, Napoleão era cunhado da própria enteada!
                        Um dos filhos de Hortência e Luís, o futuro Napoleão III foi eleito primeiro presidente da República Francesa, em 1848. Sem vontade alguma de deixar o poder, Napoleão III se tornou imperador por golpe de 1852, continuador do pensamento e da obra bonapartista, reinou até 1870, deposto após a batalha de Sedan. Também neto de Josefina, Napoleão III transformou a Paris medieval na Cidade Luz como a conhecemos hoje, apoiado no brilhante prefeito e remodelador da capital francesa, o Barão Haussmann.
                        Se os sonhos imperais de Napoleão Bonaparte não se tornaram realidade, nem por isso seus ideais caíram no esquecimento; pelo contrário, a onda revolucionária e liberal inflamaria a Europa de todo o século XIX com desdobramentos para as Américas portuguesa e espanhola.
                        E os esqueletos no armário? Pois bem, continuam firmes e fortes! A vingança da imperatriz Josefina se materializou a tal ponto que, mais do que a Rainha Vitória, pode ser considerada a verdadeira “avó da Europa”, vejamos: antepassada de um imperador francês, de um príncipe consorte de Portugal, de uma imperatriz do Brasil, de um grão-duque da Rússia e das atuais cabeças coroadas da Suécia, Noruega, Bélgica, Luxemburgo e Dinamarca.
Frei Galvão: um santo de sangue português, bandeirante e indígena

Sérgio Corrêa Amaro *

                               Primeiro santo nascido brasileiro, Frei Antônio de Sant´Anna Galvão foi elevado à honra dos altares pelo Papa Bento XVI em maio de 2007, quando da visita do Sumo Pontífice ao Brasil e o evento revestiu-se de maior significado, pois foi a primeira canonização realizada fora do Vaticano.
                               Quarto filho de Antônio Galvão de França, um rico comerciante português, e de Isabel Leite de Barros, membro de velhos troncos paulistas, Frei Galvão era natural de Guaratinguetá, onde nasceu aos 10 de maio de 1739, tendo falecido em São Paulo, em 23 de dezembro de 1822.
                               A leitura da vida e obra de Santo Frei Galvão traz algumas revelações bastante interessantes, inclusive algumas curiosidades genealógicas, nem sempre encontráveis em textos oficiais da Igreja.
                               De início, é oportuno ressaltar que o jovem Antônio incorporou o nome religioso “Sant´Anna”  por dois motivos: em razão de sua defesa incondicional do título de “Imaculada” da Virgem Maria, conceito ainda  bastante polêmico na época de sua profissão de fé, em 1761, e pela devoção especial de sua família a Santa Ana, a mãe de Maria de Nazaré e avó de Jesus Cristo.
                               Naquela segunda metade do século XVIII, o Marquês de Pombal atirou-se a expulsar a ordem dos jesuítas de Portugal e das colônias por motivos políticos e em nome de uma maior concentração de poder nas mãos do rei D. José I. Assim, Frei Galvão desiste de estudar nos conventos jesuítas da Bahia, transferindo-se para o Convento de São Francisco, em Taubaté, a conselho do pai.
                               Frei Galvão não se limitou a uma vida religiosa simplesmente contemplativa, foi místico, líder espiritual de ordens religiosas, poeta, homem de prestar serviços aos pobres e doentes, arquiteto, mestre de obras e até exerceu o ofício de pedreiro, quando da construção de igrejas e recolhimentos.
                               O aspecto miraculoso mais  popular  do santo ocorre com a distribuição das famosas “pílulas de Frei Galvão”, capazes, segundo a crença, de curar doenças e indicadas especialmente na solução das dificuldades de engravidar e do parto.
                               Os estudos genealógicos da família de Frei Galvão, até onde a documentação histórica permite, apontam para o fenômeno bastante comum entre os brasileiros da miscigenação e dos casamentos interraciais.
                               A muitos pode surpreender o fato deste santo brasileiro ter em suas veias sangue de origens tão distintas quanto o pai, português do Algarve, alguns ancestrais das Ilhas dos Açores, como Pascoal Leite Furtado ou o português continental e  povoador  do arquipélago da Madeira, João Gonçalves Zargo (ou Zarco), que teve continuação do nome em “da Câmara”.
                               Pelo lado materno, Frei Galvão descendia ao menos duas vezes do célebre bandeirante Fernão Dias Pais Leme (1608-1681), o caçador de esmeraldas, com larga geração.  Junte-se ao sangue heroico do bandeirante paulista e sua prole, os gens indígenas dos caciques Tibiriçá e Piqueroby, cuja filha, batizada com o nome cristão de Antônia Rodrigues por Anchieta, foi uma das sétimas-avós de Frei Galvão.
                               Entre nós, batataenses, Germano Moreira, por seu pai Hipólito Moreira dos Santos, consta como um dos muitos “primos” ou “parentes” genealógicos de Santo Frei Galvão, com vários ancestrais em comum na árvore de costados, o que não deixa de ser uma benção, quando não uma honra e um grande privilégio.
A Marquesa de Santos e os “primos" de Batatais
*Sérgio Corrêa Amaro
                       
                        Muita tinta e papel foram gastos nos escritos a respeito da Marquesa de Santos, uma mulher além de seu tempo e dos costumes da época, primeira metade do século XIX.
                        O caso amoroso mais duradouro de Dom Pedro I, Domitila de Castro do Canto e Mello nasceu em São Paulo em 27 de dezembro de 1797, filha do visconde de Castro, João de Castro do Canto e Mello e de Escolástica Bonifácia de Toledo Ribas, faleceu em São Paulo aos 70 anos, está sepultada no Cemitério da Consolação, túmulo sempre florido, bem conservado, de boas dimensões, mas nada imponente, apenas sóbrio.
                        Da bela marquesa tudo se pode dizer, menos que não tivesse vocação para a maternidade: com o primeiro marido teve três filhos, com Dom Pedro, cinco e com o segundo marido, o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, mais seis, o que soma 14 filhos!
                        Nosso primeiro imperador não deixava por menos: 18 filhos, contados das duas esposas legítimas e das várias amantes, inclusive uma freira portuguesa e a própria Baronesa de Sorocaba, irmã da amante-mor, a Marquesa de Santos, para escândalo geral...Em curto parêntese, diga-se que Dom Pedro era considerado bom pai, carinhoso e que acompanhava a educação dos filhos.
                        De vida aventurosa, influente na Corte do primeiro reinado, Domitila conheceu o príncipe Dom Pedro em junho de 1822, em pleno processo da Independência; a relação, mais ou menos tempestuosa ao longo do tempo, durou até que Dom Pedro se casasse novamente, desta vez com a princesa Amélia de Leuchtenberg, e esta exigiu no contrato de casamento, o banimento da Marquesa para São Paulo.
                        Dom Pedro não podia se dar ao luxo de muitas exigências ou recusas; dona Amélia, afinal, era a nona candidata ao casamento, as oito princesas anteriores haviam se recusado ao noivo, a fama de marido infiel do imperador corria a Europa fazia tempo e, dizem, o primeiro sogro, pai da falecida Imperatriz Leopoldina, fazia campanha cerrada contra o genro namorador.
                        Mas por que Marquesa de Santos? Se a titular era natural de São Paulo e vivia no Rio? Dom Pedro achou mais uma forma de irritar os políticos santistas, os irmãos Andrada (José Bonifácio e Antônio Carlos), ferrenhos opositores da amante do imperador, concedendo a Domitila não só o título de Marquesa, mas também o de Viscondessa com grandeza, o que não era pouco. Duas filhas com Domitila receberam títulos até superiores, como a Duquesa de Goiás (Isabel Maria de Alcântara Brasileira, 1824-1898, educada na Europa, casou com um Conde e Barão da Baviera) e a Duquesa do Ceará, esta morta poucos meses depois de nascida.
                        Pois bem, descendia a Marquesa, por sua mãe Escolástica Bonifácia de Toledo Ribas, de Dom Simão de Toledo Piza (1612-1668), de quem foi tetraneta; ele era português, filho de espanhóis, de vida aventurosa, natural de Angra, Ilha Terceira dos Açores, casado em São Paulo com Maria Pedroso, foi juiz de órfãos e juiz ordinário, dono de sesmaria no rio Jundiaí. A época não podia ser mais turbulenta: a guerra pela restauração da coroa portuguesa depois do domínio espanhol (1580-1640). Toda a linhagem de Toledo Piza no Brasil teve início com esse dom Simão, do qual descendem, também, os Corrêas de Toledo, de Aiuruoca (MG) e de Batatais, dentre os  quais meu quarto avô Antônio Corrêa de Toledo (falecido em 1865), casado com Maria Fernandes Chaves,  irmã de Ana Luísa, esposa de Germano Moreira. Na família haveria no futuro outros casamentos unindo Fernandes Chaves e Corrêas de Toledo, parentes mais ou menos distantes entre si.
                        Percorrendo a árvore genealógica ascendente, vez ou outra descobrimos “primos” genealógicos interessantes, personagens notáveis alguns, outros nem tanto, da maioria temos poucas informações, uma data ou um local, quando muito; de outros, mais documentados, podemos extrair curiosas lições, como a dessa “prima” tão polêmica, a Marquesa de Santos.
                        Nas décadas finais de sua vida, Domitila foi católica devota, caridosa protetora dos pobres e doentes e dos estudantes sem recursos  da Faculdade de  Direito do Largo São Francisco.             
                       
NOSSAS RAÍZES MINEIRAS
Sérgio Corrêa Amaro *
                          Os atuais Estados de São Paulo e Minas Gerais tiveram conflitos de divisas durante quase todo o século XVIII e boa parte do século XIX, seja por razões políticas, seja, muito mais, por razões fiscais, que explicam a fúria arrecadadora do imposto real pela Coroa portuguesa, o famigerado quinto sobre a produção anual de ouro.
                        Feitas as primeiras descobertas de ouro pelo bandeirante paulista Antônio Rodrigues Arzão ainda no final do século XVII, quase certo que seja em 1693, no Rio Casca, região do Cuieté (mato bravo), logo que a notícia do “descoberto” correu por Portugal e ilhas da Madeira e Açores, a Coroa tratou rapidamente de tentar “cercar” e controlar o máximo possível o novo Eldorado. Pouco mais tarde, em 1698, surgia Ouro Preto ou Vila Rica, ponto alto da bandeira de Antônio dias de Oliveira.
                        Aumentam as tensões, aumentam as pressões....e assim foi criada a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro em 1709, para efetivar o controle português na região na esteira da célebre Guerra dos Emboabas (1707-1709) os “nativos” paulistas bandeirantes/descobridores contra os forasteiros (brasileiros de outras regiões e portugueses recém-chegados).
                        Cinquenta mil pessoas foram chegando e se estabelecendo ao longo dos vários caminhos que conduziam às Minas Gerais, formando “pousos”, futuras vilas e cidades, mas os problemas só cresciam, especialmente os conflitos pela posse da terra, os ligados à escravidão e aos quilombos (o mais famoso foi o quilombo do Ambrósio) e a questão crucial do abastecimento – várias vezes a fome assolou a região, os mineradores tinham as bruacas cheias do rico  metal e nada para comer, muitos morriam à míngua, índios inclusive, de desnutrição propriamente dita ou envenenados pelo que comiam sem cuidado, como os “bichos de taquara” mal-cozidos,  uma gorda larva de mariposa que vive no bambu.
                        Na fome valia de tudo que voa, anda ou rasteja: macacos, quatis, papagaios, antas, capivaras, jaburus, cobras, lagartos e as apreciadíssimas formigas.
                        O problema do (des)abastecimento era tão sério que o preço dos gêneros, por óbvio, subia aos céus e era pago em ouro, um prato de sal custava 8 oitavas, uma galinha 12, um pouco de fumo por 5, já um cachorrinho ou um gatinho eram iguarias refinadas, 32 oitavas cada um! A oitava equivalia a 3,5 gramas ou 1/8 de onça (28,352 gramas).
                        Nesse contexto de opulência e pobreza, fartura e fome, fausto e decadência, muitos habitantes dedicavam-se à produção e comércio de gêneros alimentícios, como milho, feijão, gado bovino e suíno, toucinho, sal, azeite, vinho, queijos, farinha e tudo o mais que um aventureiro bem ou mal sucedido pudesse precisar para garimpar suas datas de terra, um reinol ou um paulista para se estabelecer em definitivo na mais rica província do Brasil.
                        Enquanto havia ouro em quantidade, tudo correu mais ou menos bem, porém lá pelos anos de 1760 em diante o precioso minério escasseava, seja pela esgotamento das jazidas, seja pela falta de tecnologia para aprofundamento das minas ou até pela falta de novas áreas e se avistavam fazia tempo os novos horizontes de Goiás e Mato Grosso, com outras promessas de riquezas...
                        Os “entrantes” que foram chegando pelo final do século XVIII e primeiras décadas do século seguinte para as bandas dos rios Pardo e Sapucaí vinham com ânimo de ficar em definitivo,  buscar campos de pastoreio para seu gado e espaço para plantar milho e feijão, comércio para os queijos e toucinho, prova disto é que vinham com família, escravos e trastes, tecendo uma rede de fazendas e sítios, uma capela aqui, uma freguesia  ali, um casario embrião de uma vila mais adiante.
                        Por estas e por outras, desde muito cedo vamos encontrar na Paragem dos Batatais, no Campo Lindo das Araras, na vila do Bom Jesus da Cana Verde gente vinda de Barbacena (Borda do Campo), Aiuruoca, Campanha do Rio Verde, Carrancas, São João del-Rei, Baependi, Andrelândia, Ribeirão do Carmo (atual Mariana) e outras tantas, definindo nossa “mineiridade”, se é que podemos chamar assim este nosso sabor pão-de-queijo com leite e café, raízes mineiras que deram flores e frutos, a nossa gente. Voltaremos ao tema.
O avô “excomungado” de Germano Moreira
*Sérgio Corrêa Amaro
                        No primeiro artigo dessa série, apontamos como padrinhos de batismo de Germano Alves Moreira, nascido em outubro de 1778, os avós maternos: Domingos Alves Calheiros e Inácia Maria do Rosário.
                        O casal de avós não poderia ser mais típico nas Minas Gerais da segunda metade do século XVIII: ele, Domingos Calheiros, português natural de Chaves, no Alto Trás-os-Montes, casou-se, por volta de 1749, com Inácia Maria do Rosário, natural de Santo Antônio do Rio das Velhas (atual Nova Lima), filha de um português e de uma fluminense.
                        O cenário de vida deste casal é o clássico descrito pelos historiadores da decadência do ouro em Minas Gerais: atividade agropastoril de subsistência ou pequeno comérico, habitação em comunidade rural,  vida social em torno da igreja matriz ou de uma das capelas filiais, patrimônio centrado na posse de terras mais ou menos extensas e propriedade de escravos.
                        Domingos e Inácia tiveram 12 filhos, dentre os quais a mãe de Germano Moreira, Maria Vicência Alves de Jesus, esposa de Hipólito Moreira dos Santos.
                        Talvez seja o momento adequado para referir que esses “sobrenomes” de Jesus, do Rosário, da Conceição, do Céu e muitos outros, são chamados de “devocionais” não são nomes de família e podem até se transmitir com certa regularidade nas filhas ou netas, não é uma regra geral e de difícil esclarecimento em pesquisas genealógicas. Podiam ser, também, uma homenagem a um dos padrinhos, ao padre que fazia o batismo ou simples preferência religiosa.
                        Pelo que consta do inventário de Domingos Calheiros, falecido em janeiro de 1788, sepultado na igreja de Santa Rita do Ibitipoca, devia ser um homem considerado medianamente rico para os padrões da época no sertão mineiro. Além de móveis, utensílios, ferramentas de certo valor, teares, algum gado bovino, 9 escravos, 50 porcos e as terras que mandara medir e demarcar para requerer concessão de sesmaria em 1782, Domingos Calheiros tinha cerca de 20 “créditos” com pessoas da localidade, provavelmente atuava  como um “capitalista local”, emprestando pequenos valores em dinheiro. Era comum que uma sesmaria fosse requerida e concedida, portanto juridicamente legalizada, após um certo tempo de posse; a justificativa do pedido se baseava no “beneficiamento e cultivo” das terras, às suas próprias custas e esforço da família toda, o que representava economia e vantagens para Sua Majestade, o Rei de Portugal.
                        Na altura do começo de 1773, o avô e padrinho de Germano Moreira viu-se às voltas com o poder da Igreja, tendo sido excomungado por não ter satisfeito os “preceitos quaresmais”, quase certeza a falta de frequência às missas do costume. Documento conservado no Arquivo Público Mineiro, a nós gentilmente remetido por cópia digitalizada, traz o requerimento e a absolvição de Domingos Alves Calheiros, que se propõe, como bom filho da Igreja, a cumprir os tais preceitos quaresmais onde e quando lhe fosse determinado.
                        Aquele processo de excomunhão pública ocorria num momento tenso de confronto do poder eclesiástico católico com a centralização do Estado na pessoa do rei, promovida pelo temível Marques de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Mello, ministro de Dom José I de 1750 a 1777, tendo expulsado os jesuítas de todo o império em 1759 e feito outros tantos esforço políticos, econômicos e sociais para “modernizar” Portugal, já bem combalido naquela época.
                        Ora, esse avô “excomungado” de Germano Moreira tinha pretensões outras além do beneplácito religioso em nível local: além da paz de consciência, óbvia, o sentimento de pertencimento à comunidade tradicional, a realização de “negócios” relacionados à produção rural e, até, dos empréstimos de dinheiro que fazia, tudo isso se conjuga à pretensão de se tornar  membro do Santo Ofício  ou Inquisição,  ainda por ser esclarecida,  pela consulta aos autos de habilitação conservados no Arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa.
                        É bom que se diga, portanto, que ao tempo do batismo do nosso Germano Moreira, o padrinho e avô Domingos Alves Calheiros já se achava em plenas graças com a religião católica.
CONSTRUINDO SUA PRÓPRIA ÁRVORE GENEALÓGICA
*Sérgio Corrêa Amaro
                        No artigo anterior apontamos a relativa facilidade de se construir uma árvore genealógica com a utilização da internet como fonte de informações. Pois bem, hoje trazemos os primeiros passos para quem se interessar pelo assunto, avisando, desde já, que além de se transformar em fascinante viagem pelo passado, pode trazer verdadeira “febre” em buscar mais e mais dados de antepassados próximos ou distantes, mas sempre com agradáveis surpresas. Ou não...
                        Num primeiro momento, devemos depositar na tarefa poucas expectativas de encontrar reis, príncipes, nobres ou santos no tronco da família; somos o que somos, um pé na cozinha ou na bastardia, outro na Europa, um sangue do índio caçado a laço ou um antepassado incógnito, fato muito comum em passado que não vai longe...Lá pelas tantas em nossas pesquisas, uma quarta ou quinta avó portuguesa era filha de pai desconhecido...então aquele ramo resta infrutífero na continuação e damo-nos por satisfeitos, contra fatos não há argumentos.
                        O primeiro passo é anotar seu próprio nome, data e local de nascimento e pesquisar junto à família nuclear (pai e mãe) o nome, local de nascimento deles mesmos e  datas de nascimento,   casamento e óbito dos avós e bisavós. Aquela velha prima distante pode ter informações importantes?  Vá atrás dela, telefone, escreva, anote tudo, as raízes familiares podem estar enterradas, mas não impossíveis de vir à luz.
                        Em rápido cálculo de parentesco e sem muitos sustos, chega-se à casa das centenas e até milhares e milhões os nossos antepassados. Assim, com a potenciação vamos calculando: temos 2 pais, 4 avós, 8 bisavós, 16 trisavós, 32 tetravós e por aí vai, sempre com 2 na base,  o expoente será o número de gerações.Para a 15ª. geração, por exemplo,  teremos o incrível número de 32.768 antepassados! Não quer dizer, absolutamente, que serão indivíduos diferentes...muitos avós, lá pelas tantas, serão comuns várias vezes, ou seja, serão antepassados “repetidos”. Considere uma geração, em média, com 25 anos, então a 15ª. estará há 375 anos, em pleno século XVII. Vamos devagar.
                        O tropeço maior na construção de uma árvore é a documentação para fundamentar os registros. Nesse sentido, vamos entender “documento” como qualquer suporte material, geralmente papel, impresso ou manuscrito e nesse quadro cabem os livros de assento de batismo, casamento e óbito, os processos judiciais, as escrituras, os testamentos, livros de História e afins e, naturalmente, os documentos digitalizados obtidos na internet com os motores de busca.
                        A prática de anotar os registros é bastante importante, não basta confiar na memória, pois a árvore “cresce”, como vimos, exponencialmente. Com os dados dos avós, mais fáceis de obter, comece a montar a árvore de costados. Para isso, pode valer-se de árvores “prontas”, disponíveis em muitos sites, como o www.familysearch.com, dos mórmons ou o www.familytreemaker.com, ambos em inglês, o www.familiaridade.com.br, em português e muitos outros. Baixe um dos vários programas e vá registrando os dados encontrados. Não se importe muito se houver “falhas”, vai encontra-las aos montes, quanto mais distantes os antepassados, menores chances de documentação boa e confiável.
                        Uma palavrinha a respeito dos mórmons. A Igreja Mórmon ou Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias têm o princípio de batizar por procuração seus familiares falecidos, para que recebam as bênçãos de Deus e a família seja eterna. Para isso organizam arquivos em microfilmes ou por qualquer outro meio de reprodução e os disponibilizam continuamente na internet e em Centros de História da Família, vários deles no Brasil, o que facilita bastante as pesquisas, especialmente para quem mora longe dos arquivos primários ou tem dificuldade de acesso às informações mantidas pela Igreja Católica e outras igrejas e denominações.
                        Não desanime nas primeiras tentativas, aos poucos vai se habituar a contornar os obstáculos e ter suas próprias estratégias de obter a informação desejada; como somos um país “novo” e miscigenado, vai esbarrar tanto em europeus, como em  escravos africanos ou em índio apresado, o que não inviabiliza a pesquisa, mas, ao contrário, lhe dá vigor e autenticidade genuinamente “nacional”.                    
EM TORNO DA GENEALOGIA DE GERMANO MOREIRA

Sérgio Corrêa Amaro *

                                  Há muito as chamadas “redes sociais” se tornaram populares e de fácil alcance de quem tenha conexão à internet. De início, o Orkut se tornou verdadeira “febre” no Brasil, seguido e ultrapassado pelo Facebook, sem mencionar os microblogs do Twitter e outras tantas redes de relacionamento.
                               Cada internauta é capaz de criar a seu modo em torno de si relacionamentos virtuais os mais diversos, ligando pontos e pessoas distantes, até do outro lado planeta, em constante troca de informações, imagens e mensagens.
                               A genealogia, que sempre foi tida e havida por muitos estudiosos na categoria de “prima pobre” da História, ressurgiu com tremenda força na internet, dando oportunidade de pesquisa documental e troca de informações em nível global, acesso a livros e arquivos há menos de 30 anos considerados inatingíveis ou onerosos ao pesquisador mediano, a quilômetros de distância dos museus e arquivos públicos e coleções particulares.
                               De uns anos para cá se observa que a genealogia constitui, na verdade, uma emaranhada rede social ....do passado, utilizando tecnologia de ponta do presente, com projeção para o futuro.
                               Pelo final dos anos 1970 e início dos 1980 começamos a “garimpar” (esse o melhor termo) as ligações familiares de nosso ancestral Germano Alves Moreira, doador, com sua esposa Ana Luísa,  em agosto de 1822,  das terras que hoje são boa parte do centro de Batatais. Curiosamente, talvez poucos saibam que a confirmar a doação, aparece como testemunha Luís Fernandes Chaves, pai de Ana Luísa e sogro de Germano, o que confirma que os mineiros de Aiuruoca vinham com ânimo de aqui se estabelecer definitivamente, com seus filhos, parentes, gado e escravos.
                                Havia em nossa família Corrêa (de Toledo) uma ligeira referência de que Germano Moreira e Ana Luísa fossem nossos antepassados, mas sem embasamento documental, havia apenas especulações.
                               Pesquisando os livros de registro de nascimentos, casamentos e óbitos da Igreja Matriz, de resto muito bem conservados, e os processos de inventário, de divisão de terras e outros cíveis e até criminais do arquivo judiciário no fórum de Batatais, hoje depositados em Jundiaí, pudemos levantar dados fundamentais para a composição genealógica de Germano Moreira e Ana Luísa, boa parte não publicados em livros até o momento.
                        Porém, com o auxílio vigoroso da internet, dos sites especializados, dos fóruns de discussões genealógicas, da leitura online de documentos originais digitalizados, guardados em arquivos brasileiros e europeus, pudemos apurar uma considerável árvore de costados de nosso 5º. avô, o mineiro Germano Moreira, a quem nos entroncamos por sua neta Maria Luísa Constância, filha de Ana Margarida Constância e Joaquim Luís da Costa, sendo Ana Margarida, talvez, a segunda filha de Germano e Ana Luísa e falecida antes dos pais, em 1845.
                        Germano Alves Moreira era natural de Barbacena, onde foi batizado na capela filial de Santa Rita, aos 25 de outubro de 1778 (e não 1776, segundo algumas fontes), primeiro filho de Hipólito Moreira dos Santos e Maria Vicência Alves de Jesus, casados em São João Del-Rei em 11 de janeiro de 1778, foram seus padrinhos de batismo os avós maternos, o português Domingos Alves Calheiros e Inácia Maria do Rosário.
                        Com apoio na documentação somente encontrada pela via da internet, a exemplo do site precioso dos mórmons, o familysearch.com, da consulta a blogs como o do Dr. Roberto Sandoval, ao site do jornalista José Roberto de Toledo, documentos digitalizados do Arquivo Público Mineiro, do Arquivo do Estado de São Paulo e do Arquivo Nacional, traçamos linhas de parentesco consanguíneo de Germano Moreira que remetem a Jacques Félix, o flamengo, bandeirante e fundador de Taubaté em 1639; a João Ramalho (1493-1580, fundador de Santo André) e sua esposa, a índia Bartira, filha do cacique Tibiriçá e de Potira; e  a ninguém menos que Dom Afonso Henriques, fundador e rei de Portugal (1109-1185).
                        Assim, o ímpeto colonizador e fundador de Germano Moreira encontra eco entre pelo menos três de seus ancestrais, fortemente documentados, Jacques Félix, João Ramalho e Dom Afonso Henriques.
                        Do pouco que até agora se viu, a árvore genealógica de Germano Moreira pode sugerir numerosos estudos, que dão vez e voz aos homens e mulheres de outros tempos e outros lugares, seus e nossos antepassados, seja aprofundando-se pela Idade Média europeia, seja pela história do Brasil colônia e império até os dias de hoje.
                        Em outras oportunidades, vamos traçar a descendência de Germano Moreira e Ana Luísa, os antepassados próximos e distantes, curiosidades genealógicas da Marquesa de Santos e de Frei Galvão, além de apontar os primeiros passos a quem queira se iniciar nessa fascinante viagem chamada genealogia.