domingo, 15 de julho de 2012

BOM JESUS DE BATATAIS: O VIAJANTE DA ARMÊNIA
Sérgio Corrêa Amaro *
                        A data de 6 de agosto, festa do padroeiro de Batatais e de muitas outras cidades no Brasil e no mundo, sob as várias invocações do Bom Jesus, tem origens bem remotas que vão muito além da própria religiosidade cristã e católica.
                        Na cristianização da Armênia, São Gregório, o Iluminador, em luta religiosa e política com o príncipe Tridates III consegue, no ano de 301 d.C. que a Armênia seja o primeiro país a adotar oficialmente o cristianismo, bem antes das permissões do imperador Constantino.
                        A prática de adaptar os costumes pagãos dos armênios fez com que o culto da deusa da fertilidade e da castidade Anahit, a dos festivais coloridos e musicais do Vardavar, fosse equiparado à Transfiguração do Senhor, comemorada desde sempre em 6 de agosto;  mantinha-se a data, trocava-se a devoção.
                        Da Armênia para os Balcãs e para Roma e toda a cristandade foi questão de tempo.
                        O auge do culto ao Senhor do Monte Tabor, o da Transfiguração, atinge o máximo quando o Papa Calisto III (Afonso Bórgia, 1378-1458) institui que o dia 6 de agosto seria para sempre consagrado à memória da vitória cristã sobre os turcos no Cerco de Belgrado (capital da atual Sérvia) em julho de 1456       . O papa, que muito lutou para organizar uma cruzada contra os turcos muçulmanos, tendo obtido pouco apoio dos reis europeus, considerou a vitória católica como fundamental para barrar a entrada muçulmana na Europa, mantendo-os afastados por pelo menos 70 anos.  Este mesmo papa Calisto III foi o que reconsiderou o caso da condenação de Joana D´Arc e criou o célebre regime do Padroado com os reinos de Portugal e Espanha, pelo qual os reis ficavam incumbidos da organização e administração da Igreja Católica em seus domínios.
                        Coincidência ou não, o Papa Calisto III faleceu em 1458,  no dia 6 de agosto, dia do Bom Jesus de sua fé particular.
                        Na sangrenta batalha de Belgrado, os camponeses cristãos se lançaram à guerra com armas simples, tipo foices  e enxadas, inflamados pela oratória de João de Capistrano, monge italiano (1386-1456) e sob a condução especializada do príncipe e estrategista  húngaro João Corvino (1387-1456). Do lado turco muçulmano, o sultão Murad II saiu ferido gravemente na coxa e recuou com o que sobrou das tropas.
                        Em Roma, o Cristo Salvador da basílica papal de São João de Latrão (atualmente a única do Vaticano fora dos muros) tem duas festas maiores, o 9 de novembro (dedicação) e o 6 de agosto (Transfiguração). Será o Jesus Cristo da Transfiguração o mesmo da Cana Verde, dos Passos, de Matosinhos, da Paciência, dos Aflitos, do Ecce Homo, dos Perdões, da Redenção, da Pedra Fria e muitos outros, isto é, o primeiro da Transfiguração anuncia o drama da paixão e as imagens vão sendo relacionadas à fé do lugar e das pessoas que o habitam.
                        Em trabalho anterior pudemos confirmar que o culto do Bom Jesus já se achava em Portugal pelo menos desde a Idade Média, quase exclusivo no Norte (Entre-Douro e Minho), expandindo do convento de Bouças para Matosinhos, daí para o restante de Portugal, Espanha e mais tarde para as colônias portuguesas dos dois lados do Atlântico e até em Goa, na Índia, catedral, aliás, considerada uma das 7 Maravilhas do Patrimônio Português no mundo.
                        De Minas Gerais, a devoção ao Bom Jesus atingirá um raio de centenas de quilômetros, até Goiás e Mato Grosso, passando, naturalmente, pelas dezenas de freguesias, paróquias, futuras vilas e cidades, como é o caso de Batatais, aqui em nossa terra vai aportar na versão Cana Verde, reproduzida, aliás, em outros lugares de Minas, como a atual Perdões, Araguari, Tabuleiro ou a própria Cana Verde. Em São Paulo encontramos a devoção em Iguape, Jardinópolis e Tremembé, no Paraná em Siqueira Campos, na Bahia na Lapa e Bom Jesus da Serra. Ao que consta são mais de 200 (duzentas) as invocações ao Bom Jesus pelo Brasil afora.
                        Quando falamos em globalização e mundialização pensamos o fenômeno como se fosse completamente contemporâneo ou moderno, a História nos mostra, porém, que o Bom Jesus “viajou” -  a longo prazo, naturalmente -   da Armênia para os Balcãs, dali para a Itália, Portugal, atravessou o oceano, aportou na Bahia, penetrou em Minas Gerais e chegou até nós.

Publicado em "A Notícia", 13.07.2012

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