segunda-feira, 9 de julho de 2012

Bom Jesus: o Senhor de muitos nomes
Sérgio Corrêa Amaro *
                        Batatais foi elevada à condição de freguesia por alvará régio de 25 de fevereiro de 1815, sob a invocação do Bom Jesus da Cana Verde dos Batatais, em seguimento a uma petição de moradores do entorno da primitiva capela de finais de 1810; natural que o trâmite levasse mais de quatro anos, pois a Mesa da Consciência e Ordens, sediada no Rio de Janeiro, só daria anuência depois de ouvidas as partes interessadas, os párocos de Franca e de Mogi Guaçu, esta porque perderia território para outra freguesia a ser criada, a de Casa Branca.
                        Por um motivo ou por outro, os párocos de Franca e Mogi Guaçu foram contra a criação das duas freguesias, no entanto, a firme disposição do Bispo de São Paulo, D. Mateus de Abreu Pereira, que acumulava na época o governo político da capitania ao de membro do alto clero, foi decisiva e as duas freguesias foram, enfim, criadas, cada uma com área própria de jurisdição.
                        O alvará do Príncipe-Regente, futuro D. João VI, confirma o orago da nova freguesia como Bom Jesus da Cana Verde dos Batatais. Ora, não seria mais simples e direto designar Bom Jesus da “Cana Verde”, sem a localização geográfica “dos Batatais”? À primeira vista, sim, porém, se examinamos o quadro político-religioso do final do século XVIII e décadas iniciais do XIX, veremos que a indicação era mais do que apropriada, era fundamental.
                        Ao fazer homenagem ao santo da devoção local - o Bom Jesus da Cana Verde – Sua Majestade cumpria não apenas um dever de reconhecimento, de consideração à fé dos paulistas-mineiros da margem direita do rio Pardo, como impunha o topônimo “dos Batatais” para apontar uma certa e determinada condição geográfico-política. Estado e Igreja andavam juntos na conquista e colonização do Brasil, onde não alcançava a mão do Rei, ali estavam os representantes da religião católica, relação simbiótica mais ou menos tranquila ao longo dos mais de três séculos desde o descobrimento.
                        No calor das discussões da transferência da matriz para o Campo Lindo das Araras, como já vimos, de um lado o Padre Bento José Pereira, de outro Manoel Bernardes do Nascimento e Antônio José Dias, nunca se discutiu a invocação do Senhor Bom Jesus, apenas e tão-somente a mudança física da capela.
                        O culto ao Bom Jesus era bastante antigo em Portugal, remontando à Idade Média, pelo menos. A lenda e a tradição popular, no entanto, indicam que a imagem de madeira do Cristo crucificado teria sido feita por Nicodemus, o amigo de Jesus, logo após a descida da cruz e a partir da modelagem inscrita no Santo Sudário. Nicodemus, segundo consta, fez cinco esculturas; perseguido pelos romanos pagãos jogou as imagens ao mar e pelo mar elas aportaram na Itália, na Síria, duas na Espanha e uma no Espinheiro, litoral de Portugal, no lugar denominado Matosinhos.
                        De início, o culto foi estabelecido no convento de Bouças, transferido para o Porto e finalmente para o outeiro de Matosinhos na altura do século XVI. O Norte de Portugal foi o centro irradiador do culto, atingindo todo o país, a Espanha e, num estágio, posterior, as colônias portuguesas de ultramar.
                        Introduzida no Brasil a devoção ao Bom Jesus de Matosinhos, via dos milhares de portugueses que vinham em busca de riquezas agrícolas (madeiras e cana-de-açúcar) e depois do ouro, vamos encontrar diversas variações em torno da imagem central, a de Matosinhos de Congonhas do Campo, Minas Gerais, segunda metade do século XVIII.  Assim, na sequência de representações artísticas da liturgia da Quaresma, foram surgindo e se adaptando à religiosidade local e popular o Senhor dos Passos, o Senhor da Pedra Fria, dos Aflitos, Ecce Homo, da Paciência, da Flagelação, da Coluna e, naturalmente,  o “nosso” da Cana Verde.     
                        Chegamos ao ponto, a cada freguesia o “seu” Bom Jesus, o orago bem especificado com “nome e sobrenome”. À época da criação da freguesia em Batatais, já vinha correndo até há mais tempo (desde 1803)  um processo de autorização do estatuto da Confraria do Bom Jesus de Matosinhos de Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais. Por fim, o príncipe-regente a reconheceu em fevereiro de 1814, em outubro a freguesia de Casa Branca e em fevereiro de 1815 a de Batatais.
                          Nossas pesquisas indicam um fato que pode ajudar a explicar detalhes da história de Batatais, o de que em Lavras do Funil (atual Lavras-MG) havia permissão para erigir uma capela do Bom Jesus da Cana Verde em 1768 e quem era de lá, quem havia se casado lá em Lavras? Nada menos que um dos protagonistas do célebre “caso da mudança da freguesia”, o português Antônio José Dias!  Teriam sido ele e esposa, Ana Antônia do Espírito Santo os introdutores do culto ao Bom Jesus da Cana Verde em nossa terra?       
Publicado em "A Notícia", 06.07.2012

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