quinta-feira, 3 de maio de 2012

O avô “excomungado” de Germano Moreira
*Sérgio Corrêa Amaro
                        No primeiro artigo dessa série, apontamos como padrinhos de batismo de Germano Alves Moreira, nascido em outubro de 1778, os avós maternos: Domingos Alves Calheiros e Inácia Maria do Rosário.
                        O casal de avós não poderia ser mais típico nas Minas Gerais da segunda metade do século XVIII: ele, Domingos Calheiros, português natural de Chaves, no Alto Trás-os-Montes, casou-se, por volta de 1749, com Inácia Maria do Rosário, natural de Santo Antônio do Rio das Velhas (atual Nova Lima), filha de um português e de uma fluminense.
                        O cenário de vida deste casal é o clássico descrito pelos historiadores da decadência do ouro em Minas Gerais: atividade agropastoril de subsistência ou pequeno comérico, habitação em comunidade rural,  vida social em torno da igreja matriz ou de uma das capelas filiais, patrimônio centrado na posse de terras mais ou menos extensas e propriedade de escravos.
                        Domingos e Inácia tiveram 12 filhos, dentre os quais a mãe de Germano Moreira, Maria Vicência Alves de Jesus, esposa de Hipólito Moreira dos Santos.
                        Talvez seja o momento adequado para referir que esses “sobrenomes” de Jesus, do Rosário, da Conceição, do Céu e muitos outros, são chamados de “devocionais” não são nomes de família e podem até se transmitir com certa regularidade nas filhas ou netas, não é uma regra geral e de difícil esclarecimento em pesquisas genealógicas. Podiam ser, também, uma homenagem a um dos padrinhos, ao padre que fazia o batismo ou simples preferência religiosa.
                        Pelo que consta do inventário de Domingos Calheiros, falecido em janeiro de 1788, sepultado na igreja de Santa Rita do Ibitipoca, devia ser um homem considerado medianamente rico para os padrões da época no sertão mineiro. Além de móveis, utensílios, ferramentas de certo valor, teares, algum gado bovino, 9 escravos, 50 porcos e as terras que mandara medir e demarcar para requerer concessão de sesmaria em 1782, Domingos Calheiros tinha cerca de 20 “créditos” com pessoas da localidade, provavelmente atuava  como um “capitalista local”, emprestando pequenos valores em dinheiro. Era comum que uma sesmaria fosse requerida e concedida, portanto juridicamente legalizada, após um certo tempo de posse; a justificativa do pedido se baseava no “beneficiamento e cultivo” das terras, às suas próprias custas e esforço da família toda, o que representava economia e vantagens para Sua Majestade, o Rei de Portugal.
                        Na altura do começo de 1773, o avô e padrinho de Germano Moreira viu-se às voltas com o poder da Igreja, tendo sido excomungado por não ter satisfeito os “preceitos quaresmais”, quase certeza a falta de frequência às missas do costume. Documento conservado no Arquivo Público Mineiro, a nós gentilmente remetido por cópia digitalizada, traz o requerimento e a absolvição de Domingos Alves Calheiros, que se propõe, como bom filho da Igreja, a cumprir os tais preceitos quaresmais onde e quando lhe fosse determinado.
                        Aquele processo de excomunhão pública ocorria num momento tenso de confronto do poder eclesiástico católico com a centralização do Estado na pessoa do rei, promovida pelo temível Marques de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Mello, ministro de Dom José I de 1750 a 1777, tendo expulsado os jesuítas de todo o império em 1759 e feito outros tantos esforço políticos, econômicos e sociais para “modernizar” Portugal, já bem combalido naquela época.
                        Ora, esse avô “excomungado” de Germano Moreira tinha pretensões outras além do beneplácito religioso em nível local: além da paz de consciência, óbvia, o sentimento de pertencimento à comunidade tradicional, a realização de “negócios” relacionados à produção rural e, até, dos empréstimos de dinheiro que fazia, tudo isso se conjuga à pretensão de se tornar  membro do Santo Ofício  ou Inquisição,  ainda por ser esclarecida,  pela consulta aos autos de habilitação conservados no Arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa.
                        É bom que se diga, portanto, que ao tempo do batismo do nosso Germano Moreira, o padrinho e avô Domingos Alves Calheiros já se achava em plenas graças com a religião católica.

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