sábado, 12 de maio de 2012

MÃES DO LADO DE FORA DO PARAÍSO

Sérgio Corrêa Amaro *
                        A figura da mãe impõe amor filial, profundo respeito e até veneração. Ao longo da História, porém, encontramos alguns casos de mulheres que não seguiram exatamente o modelo da abnegação e do desprendimento dos bens materiais e do poder.
                        Se nos versos do esquecido Coelho Neto (1864-1934), “ser mãe é andar chorando num sorriso, ser mãe é ter um mundo e não ter nada, ser mãe é padecer num paraíso” tão exaustivamente repetidos que acabaram virando clichê -  talvez um tanto piegas para os dias que correm -  do outro lado do paraíso houve mães que se mostraram totalmente avessas a qualquer sentimento maternal, ora se aliando a um filho em luta contra outro, ora guerreando abertamente pelo poder político ou semeando a discórdia na família.
                        Na formação de Portugal, em plena Idade Média, a condessa-viúva e rainha Dona Teresa de Leão (1080 – 1130), aliada ao amante galego, o Conde Fernão Peres de Trava, pretendeu tomar para si o domínio do espaço galaico-português, em detrimento do filho e herdeiro, o futuro rei Afonso Henriques. O jovem príncipe, fundador do reino de Portugal, arregimentou tropas de nobres favoráveis à sua causa e derrotou ambos na Batalha de São Mamede, em 1128. Em fuga com o Conde Fernão Peres, Teresa de Leão veio a falecer pouco mais tarde. Lenda portuguesa muita antiga dizia que o rei Afonso I havia batido literalmente em sua mãe Teresa, o que nunca passou de mito; ao contrário, a rainha derrotada chegou em segurança à Galiza e anos depois o rei voltou às boas com o “padrasto” galego.
                        Intrigas na Corte, devassidão, ambição, cobiça pelo poder marcaram a trajetória da tristemente famosa Carlota Joaquina, espanhola de nascimento, unida por casamento político a Dom João VI, regente e depois Rei de Portugal, Brasil e Algarve.
                        Bem antes da vinda da Família Real ao Brasil em 1807, as relações conjugais de D. João e Carlota já eram péssimas e viviam separados, ela confinada no Palácio de Queluz, ele governando no Palácio de Mafra. Momentaneamente reconciliados por ocasião das invasões napoleônicas e da instalação da Corte no Rio de Janeiro (1808), Carlota Joaquina voltaria a tramar contra o marido e contra a Constituição portuguesa, no retorno a Portugal em 1821 e anos seguintes, insuflando as revoltas conhecidas por Vilafranca e Abrilada, em ambas o partido de Carlota Joaquina foi derrotado e a rainha rebelde afastada dos círculos do poder.
                        Ainda uma vez Carlota Joaquina pretendeu o restabelecimento da monarquia absoluta, quando da subida ao trono de Portugal de seu filho preferido, o ultracatólico e conservador Dom Miguel, irmão mais novo do imperador do Brasil, D. Pedro I. Na luta que se estabeleceu entre irmãos, D. Miguel e D. Pedro, Carlota Joaquina apostou todas as fichas no preferido e perdeu novamente. Ao que consta, o próprio D. Miguel foi aos poucos se desvencilhando de uma mãe incômoda, morta triste, amargurada e longe do poder, em 1830, alguns falam em envenenamento provocado ou suicídio.
                        A lista das mães “desnaturadas” chega facilmente à casa das dezenas, ambiciosas algumas, como Catarina de Médici (1519-1589), envolvida nos bárbaros episódios da Noite de São Bartolomeu - feroz perseguição e morte de milhares de protestantes pelos católicos – calculista, implacável, tramou e conseguiu a morte de Margarida de Navarra e talvez até de um ou alguns dos próprios filhos, mortos por envenenamento, arte da qual era especialista. A lista prossegue com Maria de Médici (1575-1642), outra italiana e igualmente rainha-consorte da França que tentou, sem conseguir, afastar do trono o filho, o rei Luís XIII ; na Antiguidade mitológica da Grécia encontramos Medéia, a infeliz esposa traída de Jasão  e que mata os próprios filhos, não por fúria, mas para fazer sofrer o marido infiel; nos textos dos Evangelhos lemos as referências principais sobre a “dupla infalível” composta por Herodíade e Salomé, mãe e filha, em conluio criminoso que terminou com a decapitação de João Batista.
                        Curiosidades históricas à parte, se estas mães ficaram do lado de fora do Paraíso, com toda a certeza todas as demais, heroicas e devotadas, célebres ou anônimas, têm cadeira reservada no grande espetáculo da condição humana!
publicado em A Notícia, 12/05/2012

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